Entre expectativas, pessimismo e incógnitas: o movimento LGBT brasileiro em 2011

1/1/2012 Como foi o ano de 2011 para o movimento LGBT no Brasil? Recebi essa pergunta do site Dois Terços junto ao convite para escrever esse texto. Prontamente aceitei o desafio, pois já estou escrevendo um artigo maior sobre o assunto, onde poderei explicar melhor outras e estas ideais que seguem abaixo. Em resumo: na minha avaliação, o ano começou com muitas expectativas, chegou ao meio com muito pessimismo e terminou com várias dúvidas.
Começou com muitas expectativas especialmente em função da criação do Conselho Nacional LGBT. Pensávamos que com esse gesto, a presidenta Dilma estivesse anunciando que avançaria nas políticas públicas para a população LGBT. O Conselho, do qual faço parte representando a Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH), existe para sugerir, avaliar e acompanhar as políticas para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (ainda lamento que a sigla oficial não contemple transgêneros/as e intersexos).
No entanto, neste seu primeiro ano, o Conselho ainda não conseguiu efetivamente cumprir os seus objetivos. Por que? Existem vários motivos, mas o principal deles é que o próprio governo federal ainda não (re)conhece e respeita o Conselho como um órgão pelo qual deveriam passar as discussões sobre as políticas LGBT. Há vários exemplos de ações que foram implantadas pela própria Secretaria de Direitos Humanos, onde o Conselho está sediado, que não passaram pelas sugestões, avaliações e acompanhamento de conselheiros e conselheiras. Isso tem gerado várias tensões e uma recorrente pergunta: por que criaram o Conselho? Para fazer de conta que ouvem a sociedade civil? Para apaziguar os ânimos? Ou para juntos construirmos as nossas políticas?
Findo o período de comemorações pela implantação do Conselho, o movimento LGBT ficou em êxtase com o reconhecimento das uniões homoafetivas pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, depois disso, muitas notícias tristes começaram a criar uma grande onda de pessimismo em relação ao futuro. O ponto central foi a interrupção do chamado kit anti-homofobia nas escolas e a desastrosa e conhecida fala da presidenta, em especial quando ela disse que seu governo não faria propaganda de “opções sexuais”. Com isso, nossa presidenta revelou um total desconhecimento sobre os temas relacionados com a área, pois não infelizmente não optamos por nossas sexualidades e gêneros, aliás, somos obrigados desde sempre a sermos apenas heterossexuais, homens ou mulheres. Essa sim é a obrigação que é diariamente propagandeada pela sociedade em geral e pelos governos, inclusive em suas propagandas e material didático.
As principais lideranças LGBT do Brasil protestaram e a ministra Maria do Rosário convocou uma reunião de emergência com os conselheiros e as conselheiras da sociedade civil, em Brasília. Participei desse encontro e fiz uma dura fala, expressa na carta pública que a Abeh divulgou na época (disponível em www.abeh.org.br). Disse, entre outras coisas, que a democracia está em risco no momento em que fundamentalistas religiosos mandam no destino das políticas públicas. Rosário não gostou, disse que eu estava exagerando e que o governo não iria retroceder nas políticas LGBT. Continuo pensando da mesma forma e considero que retrocedemos sim.
O movimento LGBT solicitou, depois disso, que a presidente e seu governo dessem sinais de que os avanços aconteceriam. Até hoje, não vi nenhuma ação significativa nesse sentido, apenas algumas pontuais ações, como a articulação com os secretários de Justiça dos estados (que não passou pelo Conselho e conta com propostas não aprovadas na I Conferência Nacional LGBT, a exemplo da criação de delegacias especializadas para LGBTs). Existe a promessa de retomada do chamado kit anti-homofobia, que receberá outro nome mas, depois do que aconteceu, só acredito vendo. Eis aí uma ação fundamental para o respeito à diversidade sexual e de gênero, cujo impacto leis não conseguirão alcançar, ainda que elas, é claro, sejam muito necessárias.
As péssimas notícias continuaram com os cortes orçamentários para as políticas LGBT, com a eterna alegação da crise financeira mundial. Em um edital da Secretaria, apenas dois projetos LGBT foram aprovados. Fomos informados de que a Secretaria de Direitos Humanos poderia gastar R$ 100 mil durante todo o ano para políticas LGBT. Isso é nada para um país do tamanho do Brasil. Depois de muita pressão de ativistas do movimento, o governo informou que em 2012 esse valor deve subir para R$ 1,100 milhão. Disse ainda que R$ 9 milhões deverão ser gastos em publicidade de utilidade pública e valores, ainda não especificados, passagens aéreas e viagens. Também relatou o conjunto de ações governamentais que devem atingir a população LGBT, mas sem os recursos especificados. Por conta desses dados, outra pergunta recorrente ouvida nas reuniões do Conselho: por que fazer uma nova Conferência Nacional se não teremos dinheiro para implantar essas políticas?
O segundo semestre foi marcado pelas conferências municipais, estaduais, regionais e terminou com a realização da II Conferência Nacional, de 15 a 18 de dezembro. Quase todo o tempo das reuniões do Conselho Nacional foi dedicado à Conferência. As avaliações das conferências estaduais foram distintas em alguns pontos (positivas em alguns estados e “razoáveis” em outros), mas os conselheiros e as conselheiras concordaram que muitas delas estiveram mais vazias que as de 2008 e que a maioria debateu apenas os planos estaduais LGBT (e não o plano nacional).
Na minha avaliação, as conferências apontaram também para um novo desenho do movimento LGBT no Brasil. É possível que hoje o movimento LGBT seja composto, em sua maioria, por pessoas com identidade feminina, com forte presença do segmento transexual e travesti e um pequeno e promissor grupo que tem reivindicado uma identidade transgênero/a, que se diferencia dos e das demais trans. Diria hoje que a identidade masculina não é mais a hegemônica no movimento LGBT que, é bom lembrar, era chamado de Movimento Homossexual Brasileiro, hegemonicamente masculino.
Além disso, fica cada vez mais visível que antigas lideranças perderam prestígio, reconhecimento e poder, o que também tem gerado tensões, brigas públicas e trocas de insultos. Essas e outras questões (por exemplo, a forte presença de jovens, negros/as e pesquisadores/as da área) tornaram o movimento LGBT ainda muito mais diverso. Na verdade, mais do que nunca, temos hoje vários movimentos LGBT no país.
Por razões pessoais, não estive na Conferência Nacional. A ABEH esteve representada pelo meu colega Djalma Thürler. Na avaliação dele, “os dias passaram sob tensão, que aumentou quando a Presidenta Dilma confirmou as expectativas e não compareceu e sequer enviou qualquer documento desculpando-se e/ou ressaltando a importância do Encontro. No entanto, a despeito disso, os Grupos que se concentraram na elaboração das diretrizes o fizeram de maneira muito coletiva num trabalho que só teve fim às duas da manhã já do dia 19 de dezembro. A despeito disso, mostramos boa dose de amadurecimento nas discussões e proposições, embora muitos delegados e delegadas tenham optado pelo frege.” Outras pessoas que produziram relatos que li sobre a conferência também destacam os problemas apontados por Djalma mas destacaram que o saldo foi positivo.
Por estas questões, penso que o ano termina com várias dúvidas. Conseguirá o Conselho Nacional exercer plenamente as suas funções? O movimento LGBT saberá conviver com sua própria diversidade, deixar de brigar entre si para brigar com nossos reais opositores (que não são somente aqueles externos mais conhecidos, pois existem preconceitos dentro do próprio movimento que devem ser atacados, a exemplo do machismo e da heteronormatividade de alguns ativistas)?
E afinal, o que quer o governo Dilma? Ficará a primeira mulher presidenta da história do Brasil marcada pelo retrocesso nas políticas públicas LGBT, influenciada pelos fundamentalistas religiosos, ou usará a sua capacidade administrativa para implantar as políticas democraticamente construídas na II Conferência para que o Brasil seja um país que respeita, festeja e aprende com a diversidade sexual e de gênero? Desejo que tenhamos ótimas respostas para essas perguntas ao final de 2012.
Por Leandro Colling
professor da UFBA, presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH – www.abeh.org.br) e integrante do Conselho Nacional LGBT.

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