Promotoria considera 'desastrosa' ação na Cracolândia e abre inquérito


Foto: AEAmpliar
Usuários de drogas se concentram na esquina das ruas Aurora e Guaianazes nesta terça-feira

Ministério Público diz que operação ocorreu de maneira adiantada e sem articulação entre a PM e as secretarias


Fernanda Simas, iG São Paulo


O Ministério Público (MP) de São Paulo abriu inquérito civil para apurar os objetivos e possíveis responsabilidades criminais da Ação Integrada Centro Legal, que pretende acabar com o consumo e tráfico de crack na região conhecida como Cracolândia. O inquérito também vai investigar possíveis abusos de poder por parte de policiais militares e casos de violência.
Para a Promotoria, a operação, que começou há uma semana, é “desastrosa” porque ocorreu de maneira “adiantada” e sem articulação entre a Polícia Militar e as secretarias municipais de Assistência Social e de Saúde.
“Tráfico de drogas é questão de polícia, dependente químico, não. Essa operação está servindo apenas para espalhar o problema pela cidade”, disse o promotor Eduardo Valério, da promotoria de direitos humanos da divisão da inclusão social.
Valério ressaltou que as organizações de tráfico de drogas se adequam aos consumidores e que a operação não acaba com isso. "Não acreditamos que essa operação vá acabar com o tráfico. Onde estiver o consumidor, estará o tráfico. Para eliminar o tráfico, é preciso um trabalho de inteligência".
Nesta terça-feira, promotores de Justiça de Inclusão Social, Da Infância e Juventude, de Saúde Pública, e de Habitação e Urbanismo, concederam entrevista à impressa na sede do Ministério Público, no centro de São Paulo, para explicar a abertura do inquérito civi. “Como está, de fato, não pode continuar. Há a necessidade da adoção de políticas com articulação e respeito e não com dor e sofrimento. Um Estado não pode ser o algoz do cidadão”, completa Valério.
Considerando o quanto já foi gasto na operação pelo poder público e os resultados obtidos, os promotores consideram que pessoas possam ser responsabilizadas por improbidade administrativa. De acordo com o último balanço da Polícia Militar, apenas 0,447kg de crack foi apreendido na operação até o momento. De três mil abordagens policiais, 49 pessoas foram detidas, sendo que 26 eram condenados foragidos. Entre as 788 abordagens de agentes da saúde, 33 foram encaminhadas para serviços de saúde e outras 28 foram internadas.

Foto: PADUARDO/FUTURA PRESS/AEAmpliar
Policiais realizam operação para retirar usuários de droga e prender traficantes
No próximo dia 13, as promotorias se reúnem com o comando da Polícia Militar e as secretarias envolvidas na operação para tentar “recuperar o leite derramado”, como disse o promotor Maurício Ribeiro Lopes, da Promotoria de Habitação e Urbanismo. Se não houver recuperação, o MP vai pedir a interrupção da operação.
Operação adiantada
Segundo os promotores, a operação deveria ocorrer só em fevereiro, depois da abertura do Complexo Prates, um centro de atendimento com capacidade para 1,2 mil usuários de drogas na Rua Prates, no Bom Retiro, e que funcionará 24 horas. “Estávamos aguardando essa inauguração [para que a ação tivesse início] e eis que fomos surpreendidos por essa operação do governo estadual que põe por terra todo o projeto que se tinha no papel”, afirmou Valério.
O projeto previa diversas medidas como a articulação entre os agentes sociais e de saúde, métodos de portas de saída para que a pessoa não saia do tratamento e retorne às ruas e ao crack. Também estavam previstas políticas de habitação e emprego. "Esperávamos que a repressão policial viesse apenas no final da operação", acrescentou o promotor.
"Não houve nada novo no início deste ano que justifique essa iniciativa violenta do governo. Se não era para esperar a inauguração [do Complexo Prates], a operação poderia ser feita no ano passado, retrasado ou há cinco anos", explicou Valério. Questionado se haveria uma motivação política por trás do início da operação, o promotor disse que é possível. "Estamos tentando entender, é possível, mas não podemos afirmar isso."
Vínculo entre agentes e dependentes
Segundo os promotores, é essencial que haja um vínculo entre os agentes sociais e os dependentes químicos para que se possa ser feito o encaminhamento para as unidades de tratamento. "A polícia boicotou o trabalho dos agentes de saúde. Agora as pessoas estão sendo enxotadas de lá. Cada um foi atirando de um lado, sem uma política de Estado", explicou o promotor Valério.
Além disso, no caso das crianças e adolescentes, é necessário o acompanhamento familiar. "Não vimos nessa operação diferença entre as abordagens de adultos e de crianças e adolescentes", afirmou a promotora da Infância e Juventude Luciana Bérgamo.

Foto: AE
PM prende suposto traficante na Praça Julio Prestes, no centro de São Paulo, nesta quarta-feira

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/promotoria-considera-desastrosa-acao-na-cracolandia-e-abre-inque/n1597563780981.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário